sexta-feira, 9 de março de 2012

Contracultura e Biciletas Brancas


O nascimento da contra cultura holandesa e a relação atual com o sistema de compartilhamento de bicicletas


por     Martin Draghi  



Nos meus períodos de preocupação por duvidar se tinha escolhido a carreira que realmente desejava, sempre buscava por conteúdo que me mostrassem algo novo, algo que fosse totalmente diferente do consumismo exagerado e a alienação do indivíduo quanto a necessidade de sempre buscar no consumo exacerbado sua forma de viver e de formar uma identidade própria.
Nesses momentos me pegava nas grandes livrarias do Centro do Rio de Janeiro procurando qualquer material que a primeira vista me parecesse interessante.
Eis que numa dessas incursões encontrei um livro que realmente me deixou encantando quanto a preocupação e participação ativa de um grupo de holandeses anarquistas denominado Provos na construção da sociedade holandesa.
A atuação dos Provos em Amsterdam se deu de diversas formas de atuação, sempre utilizando a criatividade e os “happenings” – que eram manifestações artísticas extravagantes em local público – para alcançar os objetivos que tinham de criar uma sociedade mais igualitária. Existiam algumas idéias que foram lançadas pelos próprios Provos denominadas Plano Branco.
Entre os planos brancos, existia um em específico que é foco deste post. O Plano Bicleta Branca.
Antes de iniciar a explicação do Plano Bicicleta Branca gostaria de demonstrar em qual contexto social e mercadológico esse tipo de ação teve início e como ele teve forte influência na importância que os holandeses dão atualmente para as bicicletas como forma de locomoção não-poluente.
O ano é 1960, época que a indústria automobilística nota um crescimento substancial em suas vendas. Nesse sentido, o carro era visto como um objeto de status e principalmente de “progresso” entre seus usuários, ter um carro adquiria um valor simbólico ao ser e alimentava a ideia de que era impossível se locomover em um meio de transporte que não tivesse 4 rodas.
Ou seja, nos anos 60, lutar contra o automóvel era algo inédito, uma blasfêmia contra “as maravilhas do progresso”. Em pleno boom automobilístico, a tribo dos Provos tinha clarividência de recusar o culto as quatro rodas e de propor a bicicleta como santo instrumento tribal, reivindicando o direito de andar de bicicleta pela cidade sem serem ameaçados fisicamente por um “bando de psicopatas agressivos, trancafiados numa peidorrenta caixa de ferro” de acordo com as palavras dos Provos. E reivindicando, acima de tudo o direito e o prazer de não seguirem os modelos de consumo, o direito de não consumir.
Abaixo, segue o material que foi divulgado pelos Provos em seu jornal. O texto é longo, mas é incrivelmente racional se levamos em conta o contexto em que foi escrito. A clareza que os Provos tinham em relação a ameaça que os carros trariam tanto para o convício social como para o meio ambiente é incrivelmente atrativa.

“Plano Bicicletas Brancas
Apesar de termos o burgomestre que Deus nos deus, milhares de funcionários científicos, mais capital, mais “Bem Comum, e mais “Democracia” do que nunca, temos que constatar que:
-Toneladas de gases venenosos são produzidos e difundidos no espaço vital de quase um milhão de habitantes.
- Ruas e calçadas desparecem sob as “caixas de ostentação de status”.
- Centenas de mortos e milhares de feridos são sacrificados ao desleixo de uma minoria de motoristas.
- A cidade teve e continua a ter prejuízos irreparáveis.

É, portanto, absolutamente necessário que o centro de Amsterdam seja fechado ao tráfego de veículos. A eliminação do trânsito melhorará automaticamente o fluxo de transportes públicos em até 40%. Mantendo o mesmo número de bondes e funcionários da companhia de transportes, será possível poupar 2 milhões de florins por ano.
Propomos que a prefeitura adquira 20 mil bicicletas brancas ao ano, como integração do sistema público de transporte. Tais bicicletas brancas pertencerão a todos e a ninguém. Desse modo, o problema de trânsito no centro da cidade poderá ser resolvido ao cabo de poucos anos. Como primeiro passo para alcançar as cotas de 20 mil bicicletas brancas ao ano, Provo oferece aos voluntários a oportunidade de ter as próprias bicicletas pintadas de branco, apresentado-se à meia-noite em ponto diante da estátua do Moleque no Spui. 
Os táxis e os meios de transporte de utilidade pública terão de funcionar com motores elétricos e alcançarão uma velocidade máxima de 40 quilômetros por hora.
Os motoristas deverão deixar o próprio carro em casa e ir à cidade de trem, ou estacionar em espaços especialmente construídos nos limites da cidade, tomando em seguida um meio de transporte público.
O AUTOMÓVEL é um meio de transporte que só se pode admitir em zonas escassamente habitadas. Os automóveis são meios de transporte perigosos e totalmente inapropiados para a cidade. Existem meios melhores e tecnicamente mais sofisticados para nos deslocarmos de uma cidade para outra. O automóvel representa uma solução ULTRAPASSADA para esse tipo de utilização. 
Não há mais tempo para políticas titubeantes e velhos expedientes. Aquilo de que necessitamos nesse momento é uma solução radical.
NÃO AO TRÂNSITO MOTORIZADO
SIM ÀS BICICLETAS BRANCAS“
Incrivelmente esse texto apresenta muito do que acontece atualmente em Amsterdam em termos de locomoção. A influência desses futuristas anárquicos demonstra como é possível através do consumo colaborativo criarmos uma sociedade que gasta menos insumos de produção e consequentemente prejudica menos o meio ambiente.
A incrível idéia de pintar bicicletas de branco e ao invés de guarda-las em casa, deixando-as em algum local público para que outra pessoa possa utilizar-la é basicamente o que vemos hoje com os sistemas por todo o mundo de compartilhamento de bicicletas. No Rio de Janeiro já existe esse projeto e chama-se Bike Rio, apoiado por uma empresa do setor privado bancário.
Levando em conta o exemplo das bicicletas é importante notar que a sua sistemática aplicada ao consumo colaborativo acaba criando um grande Plano Branco Geral, onde a metodologia de trocar produtos de consumo se dá em larga escala e se aplica a TODOS os segmentos de mercado. Seria o consumo colaborativo uma extensão da ideia criada pelos anarquistas holandeses?
Abaixo segue um vídeo que embora não cite os Provos, demonstra um pouco da história dos holandeses e sua atual relação com as bicicletas e o transporte público



Ps – Alguns podem estar confusos quando a parte do título nomeando a contra cultura, porém, fica claro que o nascimento desse movimento não se deu na Califórnia como todos pensam, mas sim teve total influência pelas ações realizadas pelos PROVOS. O que acabou “nublando” o conhecimento dos PROVOS por muitas pessoas é que estes não detinham de um meio de comunicação televisivo fortemente aparelhado como existia nos EUA.  Para quem ficou curioso para saber mais sobre o livro, seu nome é “Provos – Amsterdam e o nascimento da contracultura – Autor Matteo Guarnaccia“

quinta-feira, 8 de março de 2012

Green Building ou Mad Max ?

Comecei ontem um curso de diálogos. Caramba, será que até isso precisa ser estudado, lido e pensado? Para mim sim. No fundo o curso é sobre comunicação não violenta. Eu sou um comunicador levemente violento, por natureza ou aprendizado. Ou ambos quem sabe. Para realmente sentar, ouvir, me permitir falar quando sinto que é a minha hora e não entrar nas outras formas de comunicação, me custa muito. Só para deixar registrado, as outras formas de comunicação são o debate, a discussão e a deliberação. Acho que volto a elas mais tarde. Ou não.
     O grande tema que me interessa no momento é o difícil diálogo entre dois paradigmas que se chocam hoje. Hoje eles debatem, discutem e deliberar e chegar a decisões parece impossível. Trata-se do choque entre dois ideários, um que acredita que nossos problemas atuais e globais de larga escala, como a poluição, a fome, a destruição de biomas e outros riscos, serão resolvidos pela ciência e fazendo business as usual. Sem mudar nada no nosso modo de pensar, apenas com leves mudanças de ação. Tecnologias que gastem menos energia, alguns parques para manter pedaços da natureza a salvo, umas latinhas de lixo e usinas de reciclagem aqui e ali e pronto. De outro lado, o ideário que acredita que precisamos de uma revolução profunda e radical, de parar tudo e começar de novo.
    Durante meu doutorado recentemente terminado, o grupo de gestores de uma rede hoteleira com o qual trabalhei chegou às seguintes conclusões, sem terem se aprofundado anteriormente nas questões teóricas acima. Apenas para contextualizar meu trabalho era sobre desenvolvimento de competências ligadas à sustentabilidade. Se você não gosta deste termo fique tranquilo. Eu também não gosto, mas o adotei porque é corrente na maior parte das organizações e meu doutorado era em Administração, na área de Gestão Humana e Social em Organizações. Logo no nosso primeiro encontro, ao ser perguntado sobre como pensavam sobre o seu futuro, duas visões emergiram deste grupo formado por jovens de no máximo 40 anos.
 Visão Green Building (nome dado pelo próprio grupo para sua visão de futuro): Tendência de mercado na construção civil. Reaproveitamento de água, iluminação natural, economia de energia. Importância do eixo econômico: um projeto tem que se sustentar economicamente. Importância do eixo social e ambiental: pessoas interagindo visando manter o ecossistema. Velocidade de informação: a internet vai permitir ver os que os outros entendem e estão fazendo por sustentabilidade.
 Visão Mad Max (nome dado pelo grupo para sua visão de futuro): Visão de futuro que surgiu há 30 anos. Corremos o risco de lutar pela sobrevivência e pelos recursos. O meio ambiente estará destruído e estarão ocorrendo mais desastres naturais ligados ao aquecimento global. Questões econômicas como hoje conhecemos serão secundárias, pois teremos voltado a uma época de bárbarie, em que cada um luta por sobreviver.
     Como estas duas viões de mundo podem conversar? Elas são fruto de dois ideários que pouco vem conversando nos últimos séculos. Maneiras de ver o mundo que vem se chocando, brigando e conflitando. Minha pergunta para terminar hoje. Será que é isso mesmo? A solução passa pelo conflito, a solução é dialética e as coisas vão se acomodando à medida que brigamos agressivamente ou resistimos pacificamente, ou existe a possibilidade de dialogar.
     Este texto tinha mais o objetivo de inaugurar esta coluna, de vencer a inércia. Voltarei.