Encontro hoje no Valor Econômico excelente entrevista com nosso representante na Rio+20, o embaixador André Aranha Corrêa do Lago. Me fez recordar algumas coisas que aprendi recentemente. Durante a minha banca de qualificação de doutorado o Professor Barbieri me alertou para o uso irrefletido da palavra Sustentabilidade. Afirmou com todas as letras que havia interesses escusos, forças ocultas diriam outros, por trás do 'roubo' da palavra desenvolvimento.
Como todo pesquisador tem alma de detetive, ou deveria ter, precisei me aprofundar no tema e encontrei de fato profundos embates paradigmáticos. Diferentes visões de mundo que novamente se encontram para tentar dialogar, depois de Estocolmo 1972, Nairobi 1982, Rio de Janeiro 1992 e no meio de tudo isso o Relatório Brundtlant, chamado de Nosso Futuro Comum (Our Common Future). http://pt.wikipedia.org/wiki/Relat%C3%B3rio_Brundtland
Bom, abaixo então trecho de meu doutorado e trechos da entrevista do embaixador:
A lógica econômica ainda é
colocada, mesmo que de forma velada, como ponto mais importante do chamado tripé da
sustentabilidade (econômico, ambiental e social), sem que seus pressupostos sejam profundamente questionados.
Trata-se da questão do lucro como principal objetivo organizacional a serviço
da sociedade, em uma lógica neoliberal ligada, por exemplo, ao pensamento de
autores como Friedman (1970), sendo o lucro considerado apenas à partir da
relação entre vendas e custos e despesas, ambas monetizadas, de bens e
serviços. Como afirmam Hawken, Lovins e Hunter-Lovins (1999, p. 287) estas
definições baseadas apenas em moeda corrente são reducionistas, pois, “As
necessidades humanas básicas podem ser satisfeitas por uma combinação de
produtos e serviços com formas de organização social e política, normas e
valores, espaços e contextos, comportamentos e atitudes”.
Antes de falar de
desenvolvimento sustentável, tema mais adiante abordado no nível
organizacional, é necessário entender o termo desenvolvimento em si. Este é
frequentemente tratado como sinônimo de crescimento econômico (VEIGA, 2010).
Foi, no entanto a partir dos anos 60 do século passado, que passa a ser sentida
com clareza a necessidade de distinguir crescimento econômico de desenvolvimento.
Arrighi (1997) já apontava para o fato de que crescimento do Produto Nacional
Bruto (PNB) de modo nenhum implicava maior acesso das populações pobres a bens
materiais, sociais e culturais. A argumentação de Arrighi (1997), no entanto,
“comete o simplismo de usar o PNB per capita para medir o desenvolvimento” (VEIGA,
2010, p. 22). Outros autores críticos do ‘mito do desenvolvimento’ não têm esta
visão quantitativa do mundo, típica dos gurus da economia neoclássica. Uma
visão que ignora “[...] processos qualitativos histórico-culturais, o progresso
não linear da sociedade, as abordagens éticas e até prescindem dos impactos
ecológicos” (ibid).
Desenvolvimento econômico
não implica, portanto, desenvolvimento da sociedade como um todo. Veiga (2010,
p. 18) sugere que foi para por fim a esta ambiguidade que a o Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) lançou o Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH), como uma forma de “[...] evitar o uso exclusivo da opulência
econômica como critério de aferição.” O autor sugere que por trás do pensamento
econômico tradicional talvez esteja uma maneira ‘mecânica’ de pensar, apoiada
na física, que isola o pensamento econômico de assunções históricas e
condicionantes ecológicas.
Ainda segundo Veiga (2010,
p. 51) “A prevalecente suposição de que o sistema econômico poderia atingir um
‘ótimo’ sempre ignorou a união entre sistemas econômicos e bióticos, além de
desdenhar a existência de limites naturais”. Propõe então o autor brasileiro
que sejam rejeitadas as duas respostas simplórias, que traduzem o
desenvolvimento como crescimento econômico ou como ilusões utópicas e aponta a
obra de Sachs (2002, 2004) como a que melhor consegue evitar “[...] as
tentações enganosas do otimismo ingênuo e do pessimismo estéril.” Alerta antes
para o fato que renunciar à ideia de desenvolvimento e usar apenas o termo
sustentabilidade pode ser “[..] uma armadilha ideológica inventada para
perpetuar as assimétricas relações entre as minorias dominantes e as maiorias
dominadas, nos países e entre países.”
Jacobi (2006, p. 4) entende que o termo Desenvolvimento Sustentável (DS) surgiu no contexto do
enfrentamento da crise ambiental, configurada pela degradação sistemática de
recursos naturais e pelos impactos negativos desta degradação sobre a saúde
humana. DS diz respeito também, além das preocupações ambientais, a um esforço
de geração de novos conceitos no âmbito da ciência econômica, como o de
‘eficiência social’ e ‘ecoeficiência’ dos mercados. Segundo Sachs (2004), estes
novos desafios transcendem às eficiências alocadoras, inovadoras e keynesianas,
associadas a Adam Smith, Schumpeter e Marnard Keynes. “Não resta dúvida que o
capitalismo é muito eficiente em termos de alocação, porém deficiente em termos
da eficiência social e ecoeficiência” (SACHS, 2004, p. 42). Seria exatamente a introdução
destas eficiências que geraria um desenvolvimento includente, fundamentado no
trabalho decente para todos. Vale aqui lembrar o pensamento de Giddens (1984) e
suas reflexões sobre a relação entre estruturas e indivíduos: mercados
estruturalmente ineficientes provocam a ‘reação’ e a ‘ação’ de indivíduos, que
se esforçam para mudá-los e, se for o caso, destruí-los.
O desenvolvimento sustentável seria, então, uma maneira de pensar ligada
a conceitos de desenvolvimento econômico, uma expressão que provém do edifício
intelectual da economia do pós-guerra, em contraposição a um simples conceito
de crescimento econômico. Alguns autores críticos, pautados naquela compreensão
de desenvolvimento ligada a aspectos quantitativos da economia, consideram o
termo impregnado de noções da economia neoliberal (BANERJEE, 2003). Este autor
entende que da mesma forma que se deu com o termo ‘desenvolvimento’, ‘desenvolvimento
sustentável’ possui práticas, políticas e significados que resultam em prejuízos
para a maior parte da população mundial, em especial, para as populações rurais
do Terceiro Mundo. Para Banerjee (2003), termos como sustentabilidade e
desenvolvimento sustentável continuam sendo construídos no âmbito do pensamento
colonialista e explorador.
Söderbaum (2008) entende
que o conceito de DS pode ser atrelado a três lógicas. A primeira, estritamente
econômica e técnico-científica que propõe a articulação do crescimento
econômico e a preservação ambiental sem grandes mudanças de base na sociedade
ou nos sistemas produtivos. O autor sueco chama esta lógica por trás do DS de business as usual, e entende que os
atores que abraçam esta ideologia como crentes de que não há na realidade
grandes problemas ambientais e sociais acontecendo e que eles são exagerados.
Esta maneira de pensar faz com que não sejam necessárias grandes mudanças no
paradigma dominante e que se possa continuar a ênfase em crescimento econômico
e inovação tecnológica, deixando a regulação de problemas ambientais aos
mecanismos de controle já existentes na sociedade. Uma segunda maneira de
pensar sobre o DS segundo Söderbaum (2008) é a de que tanto a humanidade quanto
as organizações enfrentam problemas ambientais e sociais sérios e inéditos e
que exigem respostas criativas. Esta visão reconhece que ação imediata é
necessária, mas entende que o paradigma atual, em sua ideologia, maneira de
produzir e escopo institucional precisa apenas ser modificado e alterado para
dar conta da situação. A terceira corrente de pensamento segundo Söderbaum (2008)
é a interpretação radical do DS, que prega e exige uma mudança em larga escala,
de paradigmas, ideológica e institucional. No âmbito desta terceira corrente
estão aquelas ideias que apontam o neoliberalismo e a economia neoclássica como
raízes do problema. Ainda é uma corrente marginalizada, uma vez que “Companhias
transnacionais e políticos com uma orientação neoliberal tem sido bem sucedidos
há algum tempo em definir problemas e influenciar o diálogo sobre
desenvolvimento” (SÖDERBAUM, 2008, p. 17).
As grandes corporações e os governos, ao menos em suas ações discursivas
e em suas práticas comunicativas, admitem a situação de ‘insustentabilidade’ da
sociedade e da espécie humana, caso permaneçam no mesmo rumo, fazendo
exatamente como fazem. A questão aqui é que, para colocar em prática as novas
maneiras de agir apregoadas pelas grandes corporações, será exigida uma série
de mudanças: novas formas de trabalho, novos conhecimentos, novas habilidades,
novas atitudes. O grande desafio é que possivelmente sejam necessárias novas
reflexões, novos significados sobre o que seja trabalho, novas concepções sobre
o que seja uma empresa e sobre sua importância e papel na sociedade.
Mesmo usando o termo sustentabilidade não se pode deixar de lado, portanto, a noção
de DS. Este termo é o que serve de pano de fundo para os que defendem avanço
econômico, social, cultural, tecnológico e político sem degradação ambiental. Uma
ideia-força, portanto, alinhada com as necessidades de países menos
desenvolvidos. Como propõe Söderbaum (2008, p. 18-19) a busca é por um conceito
‘razoável de DS, uma vez que “progressivamente se reconhece a necessidade de
algo novo para lidar com os desafios da sustentabilidade”.
Valor Econômico Por Daniela Chiaretti | De Brasília
O embaixador André Aranha Corrêa do Lago, de 52 anos, é um economista apaixonado por arquitetura e um diplomata que fala direto. "O que não se pode aceitar é que os países desenvolvidos considerem que nós temos que repensar o que é padrão de consumo de classe média, e eles, não", diz, referindo-se às negociações da Rio+20, a conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, em junho, no Rio.
Lago, que serviu nas embaixadas brasileiras em Madri, Praga, Washington, Buenos Aires e na missão brasileira junto à União Europeia, em Bruxelas, diz claramente que a Rio+20 é uma conferência sobre desenvolvimento sustentável, com seus pilares econômico, social e ambiental. Não é só frase de efeito. "Os europeus dizem que o Brasil está tirando o foco da Rio+20", menciona. Lago não é explícito, mas trata-se de uma referência ao esforço europeu, encabeçado pela França, de aprovar na Rio+20 a criação de uma agência ambiental mundial, ideia que o Brasil não apoia. "A Rio+ 20 não é uma conferência ambiental, é sobre desenvolvimento sustentável. Quem está tirando o foco da Rio+20 são eles, colocando apenas o pilar ambiental na mesa."
Valor: As pessoas não têm ideia clara do que é a Rio+20. O senhor pode explicar?
André Aranha Corrêa do Lago: A Rio+20 pertence a uma família de conferências das Nações Unidas que só acontece com pouca frequência. São conferências de questionamento geral e trabalham com o longo prazo. A Rio+20 têm várias dimensões, mas sua definição formal é que é uma conferência da ONU que vai reunir todos os países do mundo para debater temas que só são discutidos neste nível de profundidade a cada 10 ou 20 anos. É completamente diferente da conferência de Copenhague (em 2009, na Dinamarca) ou da de Durban (em 2011, na África do Sul), que são as reuniões anuais da negociação de mudança do clima.
Valor: As pessoas não têm ideia clara do que é a Rio+20. O senhor pode explicar?
André Aranha Corrêa do Lago: A Rio+20 pertence a uma família de conferências das Nações Unidas que só acontece com pouca frequência. São conferências de questionamento geral e trabalham com o longo prazo. A Rio+20 têm várias dimensões, mas sua definição formal é que é uma conferência da ONU que vai reunir todos os países do mundo para debater temas que só são discutidos neste nível de profundidade a cada 10 ou 20 anos. É completamente diferente da conferência de Copenhague (em 2009, na Dinamarca) ou da de Durban (em 2011, na África do Sul), que são as reuniões anuais da negociação de mudança do clima.
Valor: O que pode sair dela?
Lago: Por ser rara e ambiciosa, podem sair daí coisas como na Rio 92 que, no momento em que acontecem a gente não se dá conta do quanto são importantes.
Valor: Quais coisas?
Lago: Quando foi assinada a Convenção do Clima, na Rio 92, ninguém podia imaginar que 20 anos depois ela se tornaria a principal negociação econômica no mundo. Mas essas conferências, ao trabalharem com o longo prazo, têm também enorme grau de incerteza. Existem processos que param no meio e outros que inspiram toda uma geração.
Valor: O senhor mencionou outro dia que o "espírito de Estocolmo" está sendo sentido de novo, e de maneira forte, nas negociações da Rio+20. O que quer dizer?
Lago: Quando ocorreu a 1ª conferência ambiental da ONU, em Estocolmo, em 1972, no período preparatório os países em desenvolvimento reagiram muito mal à introdução da questão do ambiente porque interpretavam que era uma deturpação do debate. Que o debate legítimo da ONU, desde os anos 50, era o desenvolvimento. E, graças ao Brasil e há alguns outros em desenvolvimento, caiu a ficha e a questão do ambiente passou a ser ligada diretamente à do desenvolvimento. O consenso foi de que não se podia desligar os dois.
Valor: Este espírito voltou nas negociações da Rio+20?
Lago: O espírito pré-Estocolmo é a visão de que o problema do mundo é que tem pobre demais e poucos recursos naturais. Hoje isso está retornando.
Valor: Bom, mas não é verdade que no mundo há pobres demais e recursos naturais de menos?
Lago: Agora a preocupação é outra: os pobres estão virando classe média. E não se achava que isso ia acontecer tão rápido. Entre China, Brasil, Índia e outros países em desenvolvimento estamos botando centenas de milhões de pessoas na classe média. Estas pessoas estão consumindo mais, o que é uma ótima notícia. E também é verdade que isso representa um desafio para o ambiente. Mas a solução não é restringir o consumo só deles. A solução é um esforço mundial para que não haja uma divisão do gênero: a classe média americana pode ter quatro carros e classe média indiana tem que andar de bicicleta.
Valor: A sinalização dos países desenvolvidos é "vocês chegaram à classe média na hora errada?"
Lago: A sinalização é a seguinte: "Nós inventamos esse conceito de classe média meio para a gente. Não é para vocês, não". Isso não é possível. Os países em desenvolvimento, com toda razão, consideram que, é claro que temos todos que nos preocupar com as emissões e as consequências da entrada de milhões de pessoas na classe média mundial. Mas não podemos aceitar que vá haver duas classes médias, duas categorias diferentes.
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