Sei que meus posts podem pecar pela falta de ordem e organização de ideias. Pois então estamos no caminho. Ordem e Progresso são postulados da modernidade que vão sendo questionados e desconstruídos.
Vamos em frente então, mas de forma caótica e desorganizada. Seguindo não a ordem, mas a pista de minhas leituras, vou me debruçar hoje sobre textos do mago português Boaventura de Souza Santos. Para alguns desconhecido, para alguns um mero sociólogo de esquerda e para outros, com os quais me alinho, um dos maiores pensadores da pós-modernidade.
Como se pode perceber no link da Wiki acima, a obra do português a quem mais admiro depois de Fernando Pessoa é enorme. Os textos a que aqui me refiro são originários do livro Pela Mão de Alice: O social e o político na pós-modernidade. Não são textos de fácil leitura, de modo que me pareceu útil trazer à tona algum de seus conceitos, ao menos da maneira que eu os entendi. Quem quiser entender diferente, vai ter que se dar ao trabalho de ir lá no original.
Trata-se de uma coletânea de artigos e palestras. No quarto capítulo começam a se desenhar ideias interessantíssimas. O autor expõe como compreende a transição do moderno para o pós-moderno. Apesar de não ser alemão, Boaventura é um filósofo-sociólogo que progride se amparando nas mais sólidas maneiras de pensar da velha e boa filosofia germânica. Como nos lembra Caetano Veloso:
Está provado que só é possível filosofar em alemão
Bom, admito que as digressões me afastam de metas. Mas como disse no começo, ordem e progresso são coisas típicas do projeto da modernidade. Que Boaventura nos explica antes de progredir, misturando nossa bela língua com as bases filosóficas de Heidegger, Hegel e Habermas. Apenas para citar alguns com H.
O autor português aqui em questão resume o projeto sociocultural da modernidade da seguinte forma. Afirma que ele assenta em dois pilares, um da regulação e outro da emancipação. O primeiro se divide em três princípios, o do Estado, o do mercado e o da comunidade. Já o pilar da emancipação se constitui por três lógicas de racionalidade: a racionalidade moral-prática da ética e do direito; a racionalidade cognitiva-instrumental da ciência e da técnica e; a racionalidade estético-expressiva da arte e da literatura.
Aqui um parenteses com interpretações minhas. Vamos à origem ou ao significado possível das palavras regulação e emancipação no texto de Boaventura. Pesquiso agora rapidamente na internet e em diferentes autores encontro diferentes maneiras de enxergar o assunto. Vou ficar com a minha, mais simples.
Regulação é um fenômeno social pelo qual determinados grupos sociais se propõe a dominar outros por mecanismos estruturantes e de poder, impondo a ordem, fazendo com que as coisas aconteçam sempre de forma previsível e submetida a regras e rotinas. Na ideia de Boaventura isto se dá por meio de um Estado, de um mercado e uma sociedade civil plenas de contradições como pretendo abordar em outros escrito aqui mesmo. Nos extremos da lógica regulatória estão o caos e a ordem absoluta.
Já a emancipação é um fenômeno pelo qual grupos sociais buscam se libertar de mecanismos de opressão impostos pelas estruturas e regras acima. Isto se dá por meio: da expressão artística e literária; de ações de cunho moral e prático que são formadoras do direito e não fruto de suas sanções estatais, jurídicas e policiais e por último do aumento do conhecimento técnico-científico e as influências deste no dia a dia das pessoas.
Pois é o mesmo Santos que aponta para a maneira que se dá o autofagismo do projeto da modernidade. O equilíbrio dos pilares acima era fundamental para o projeto, bem como um intercâmbio harmonioso entre as lógicas. No entanto, a partir do momento que ele chama de capitalismo desorganizado (outros chamariam de neoliberalismo), ocorre o seguinte, conforme trecho de texto dos autores brasileiros Marcus Pereira e Ernani Carvalho:
A absorção do pilar da emancipação pelo pilar da regulação se deu através da convergência entre modernidade e capitalismo e a conseqüente racionalização da vida coletiva baseada apenas na ciência moderna e no direito estatal moderno. A sobreposição do conhecimento regulação sobre o conhecimento emancipação se deu através da imposição da racionalidade cognitivo-instrumental sobre as outras formas de racionalidade e a imposição do princípio da regulação mercado sobre os outros dois princípios, Estado e comunidade. Portanto, a emancipação esgotou-se na própria regulação e, assim, a ciência tornou-se a forma de racionalidade hegemônica e o mercado, o único princípio regulador moderno. É o que o autor vai definir como a hipercientificização da emancipação e a hipermercadorização da regulação.
Tudo isso parece complicado... E é um pouco. Mas, como eu disse em algum lugar antes, é um lento processo meu de colocar coisas no caldeirão, para saber por onde começar. Este é um diálogo do qual todos somos chamados a participar hoje em dia. Você é um cidadão da 'ordem' ou do 'progresso'? Quer participar da estruturação do da desestruturação do status quo por meio do Estado (tendo um emprego público ou participando ativamente do público, do mercado (sendo empresário ou empregado) ou da comunidade (sendo síndico de seu prédio, participante de um grupo de sua religião etc). Ou ainda por meio de expressões artístico-culturais, ou pelo influenciamento da ética e do direito pela participação em movimentos sociais. Ou quem sabe pela discussão dos novos papéis da ciência e da técnica.
Pretendo voltar breve a todos estes assuntos. Mas deixo um pensamento de Boaventura para concluir: Antigamente a relação entre o desejável e o possível era mais simples. O que era desejável, mas impossível, era entregue a Deus. Quando se aproximava do possível, era entregue à ciência. Hoje em dia, muitas das coisas possíveis são indesejáveis e de muitas das impossíveis precisamos desesperadamente. Tanto Deus quanto a ciência precisam ser partidos ao meio.
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