Torna-se cada vez mais evidente
que a cooperação ou o choque entre interesses individuais e coletivos determina
como a sociedade se expõe ou evita a possibilidade de catástrofes, que a
coloque em risco de extinção total ou parcial. Assiste-se a uma competição
aberta entre indivíduos, empresas e países incentivada pelo próprio sistema
capitalista neoliberal e sua base na economia neoclássica e a uma contradição
dialética entre o paradigma dominante do expansionismo capitalista e sua
antítese, o paradigma que pode ser chamado de ecossocialista. (SANTOS, 2007)
O primeiro paradigma
encontra-se com mais de quinhentos anos de história e pujança, e em permanente renovação.
Um paradigma que, em seu momento histórico atual proclama o iniciar de um ciclo
de avanços que a todos, ou à maioria, pode trazer grandes benefícios, na forma
de avanços na medicina genética e na nanotecnologia por exemplo. O início de
sua história é o mercantilismo e suas duas grandes fases, nas cidades de Gênova
e Veneza, monopolistas no século XV do comércio oriundo do Oriente. Seguiu-se a
penetração por oceanos desconhecidos dos comerciantes holandeses, espanhóis e
portugueses. Estas aventuras exigiram grande mobilização de capital e o foco em
rentabilidades em prazos maiores do que as que se imaginava então e provocaram
o surgimento de novas estruturas empresariais. A história desta maneira de ver
o mundo tem continuidade com a revolução industrial e o início do poderio
inglês e depois norte-americano, europeu e japonês, que dá com suas
características liberais e individualistas novos contornos ao capitalismo.
(HUGON, 1972)
No final do século passado
ocorre a quarta fase do paradigma dominante, que poderia ser chamada de
revolução financeira, ou o chamado neoliberalismo, caracterizado pelo poder dos
fundos de pensão e fundos de investimento e pelo surgimento de uma pluralidade
de novos instrumentos financeiros. É nesta fase que pela primeira vez são
utilizados os swaps, trocas de
dívidas realizadas pela em 1981 pelo banco Salomon
Brothers, bem como os derivativos e a securitização de recebíveis. Estas
inovações financeiras tornaram-se operações vitais para o sustento do
capitalismo, só passando a ter seus fundamentos questionados com a crise de
2008, que de certa forma ainda deixa seus rastros nos dias de hoje. Como afirma
Medeiros (2010), o neoliberalismo passou a ser a partir dos anos 1990 um projeto
hegemônico dos países desenvolvidos, acompanhado por sucessivas crises externas
entre os países periféricos, reintroduziram a polarização centro-periferia em
outras bases, com particular ênfase em suas dimensões patrimoniais e
financeiras.
O segundo paradigma tem
por alguns suas origens nas ideias de Platão, que já atacava a propriedade
privada em sua obra República (HUGON,
1972). Estas ideias se manifestam com maior clareza no romantismo e nas ideias
iniciais do jovem Marx e de alguns anarquistas. Com a queda do muro de Berlim a
abordagem marxista ortodoxa entra em crise e surgem concepções heterodoxas do
marxismo, o que pode se chamar de momento dos ‘novos movimentos sociais’. Estas
concepções se afastam em variados graus de dos pressupostos originais e propõe
novos referenciais para entender os novos fenômenos políticos e sociais. “Os
estudos e teorizações sobre os movimentos sociais vão, paulatinamente,
abrandando o peso das determinações estruturais e assumindo pressupostos
teóricos que dão maior autonomia de ação aos atores sociais.” (PICOLOTTO, 2007,
p. 160).
Apenas para contextualizar
o ideário romântico inicial que se relaciona com o que aqui será chamado de
sustentabilidade, pode-se recordar Rousseau (1986, p. 71). Este autor em sua
proposta para uma nova constituição para a Córsega alertava para o fato de que
“na medida em que aumentar a população da ilha e se multiplicarem os
desflorestamentos, haverá nos bosques um rápido desgaste que só muito
lentamente se poderá remediar”. A solução proposta pelo autor francês diante
deste problema, “não estava na proteção integral dos bosques devido ao seu
valor intrínseco, e sim no seu uso previdente e racional”. (PADUA, 2005, p.63).
Como consequência desta
contradição dialética entre os dois paradigmas apresentados, surgem novos
conjuntos de ideias econômicas, apoiadas em assunções distantes tanto da ciência
econômica tradicional quanto do marxismo ortodoxo, como os escritos de Sachs (2000;
2004), Sem (2000) e alguns que, neste trabalho, são considerados como as
principais referências, as ideias de McKibben (2007) sobre economia profunda e
Söderbaum (2000; 2008) sobre a emergente economia ecológica.
Observam-se outros frutos
sintéticos destes choques paradigmáticos entre ideários econômicos, mas também entre
convicções sociais, políticas e estéticas. Começa a surgir a clareza de que
nações desenvolvidas precisam liderar mudanças e isto provoca o que Giddens
(2009) chama de um retorno ao planejamento estatal. O que pode ser feito pelo
Estado em termos de questões ambientais e sociais, além das culturais e
tecnológicas dependerá de apoio político. As reformas necessárias apenas são
possíveis com amplo apoio dos cidadãos, dentro de um contexto de participação
democrática e do que a sociedade ocidental entende como estado de direito. É o Estado
que pode ajudar a formar visões de longo prazo e formular os planos para
atingir tais visões, conforme a visão de Giddens (2009) e de outros autores Furtado
(2004) ou Veiga (2005). Furtado (2004, p. 484) afirma claramente sua visão de
que só com um projeto social claro, conduzido pelo governo, crescimento
econômico pode se transformar em desenvolvimento. “[...] essa metamorfose não
se dá espontaneamente. Ela é fruto da realização de um projeto, expressão de
uma vontade política.”
FURTADO, C. Os desafios da nova geração, Revista de Economia Política, v. 24, n. 4, p. 483-486, 2004
GIDDENS, A. The politics of climate change. Main, MA: Polity Press: 2009
HUGON, P. História das Doutrinas Econômicas. São Paulo: Atlas, 1972.
MCKIBBEN, B. Deep Economy: The Wealth of Communities and the durable future. New York: St. Martin´s Griffin, 2007.
MEDEIROS, C. A. Instituições e desenvolvimento econômico: uma nota crítica ao “nacionalismo metodológico”, Economia e Sociedade, Campinas, v. 19, n. 3, p. 637-645, dez. 2010.
PADUA, J.A. Herança romântica e ecologismo contemporâneo. Existe um vínculo histórico? Varia Historia, n. 33, p. 58-75, 2005
PICOLOTTO, E.L. Movimentos Sociais: Abordagens clássicas e contemporâneas, CSOnline - Revista Eletrônica de Ciências Sociais, v. 1, n. 2, nov. 2007
ROUSSEAU, J. J..Os Devaneios do Caminhante Solitário. Brasília: UnB, 1986.
SACHS, I. Caminhos para um desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, 2000
_______. Desenvolvimento includente, sustentável e sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2004
SANTOS, B.de S. A Crítica da Razão Indolente. São Paulo: Cortez Editora, 2007
SÖDERBAUM, P. Ecological Economics: A Political Economics Approach to Environment and Development. London: Earthscan, London, 2000
______________. Understanding Sustainability Economics: Towards Pluralism in Economics. London: Earthscan, 2008
VEIGA, J. E. Desenvolvimento Sustentável: O desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Garamond, 2010.
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